Marco Civil da Internet: uma lei importante, um mal necessário ou uma afronta à liberdade de expressão?

Confira artigo do advogado Gabriel Cunha Pereira sobre a lei e tire suas conclusões
Após cerca de cinco anos de debate, o Marco Civil da Internet (projeto de lei 2126/11) foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff. O texto, que estabelece princípios e direitos relacionados ao uso da rede no Brasil, trata de questões como liberdade de expressão, privacidade e sigilo de dados pessoais.
Bastante polêmico, o tema divide opiniões, seja por questões ideológicas, políticas ou mercadológicas.

Breve histórico do Marco Civil da Internet

Em 2009, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) – entidade civil sem fins lucrativos que coordena as iniciativas de serviços relacionados à web no país – elaborou um documento que passou por diversas consultas e audiências públicas. A partir das discussões, foi originado o projeto de lei 2126/11, que chegou ao Congresso Nacional em 2011.

Por que o projeto só foi sancionado agora?

O Marco Civil esteve perto de ser votado muitas vezes. Porém, questões controversas, como o princípio da neutralidade e o armazenamento de dados em servidores localizados no Brasil, emperraram o projeto, que só foi sancionado no final de abril.

Pontos polêmicos

As questões que mais geraram debates estão relacionadas a temas como privacidade, neutralidade, liberdade de expressão, instalação de servidores no Brasil e deveres do governo.

Artigo: Análise Jurídica do Marco Civil da Internet

Para entender um pouco mais sobre a lei e tirar suas próprias conclusões, leia abaixo o artigo do advogado Gabriel Senra da Cunha Pereira, sócio do escritório Cunha Pereira & Massara Advogados Associados, que traz uma análise imparcial de todos os capítulos do texto sancionado pela presidente.

As principais inovações do Marco Civil da Internet

Gabriel Senra da Cunha Pereira
Marco Civil da InternetO Marco Civil da Internet tem como objetivo precípuo oferecer segurança jurídica aos usuários da rede, sejam eles internautas, empresas, provedores e Administração Pública. Ainda que até hoje não houvesse um específico instrumento regulatório da internet no Brasil, há muitos anos a jurisprudência vem sendo construída de forma aleatória e, muitas vezes, contraditória.
A nova lei, portanto, fixa fundamentos, princípios, objetivos e direitos na utilização da rede mundial de computadores, além de criar normas de caráter processual para a proteção de tais direitos. Dessa forma, estabelece-se um marco legal que certamente uniformizará entendimentos ainda controversos em nossos tribunais. Outro objetivo evidente da nova norma é garantir os direitos à liberdade de expressão e privacidade dos usuários, direitos estes que se fazem presentes em todo o texto legal.
A Lei nº 12.965/14 se divide em cinco capítulos: disposições preliminares, dos direitos e garantias dos usuários, da provisão de conexão e de aplicações de internet, da atuação do poder público e disposições finais.
O primeiro capítulo trata basicamente dos fundamentos e princípios do uso da rede no Brasil. Os mais importantes fundamentos, que também podem ser entendidos como pressupostos da utilização da internet, são a liberdade de expressão, os direitos humanos e a cidadania, a livre iniciativa e a defesa do consumidor.
Dentre os princípios – normas de caráter mais genérico que norteiam a aplicação dos direitos ali previstos – encontram-se novamente a liberdade de expressão, a privacidade e a livre iniciativa, além da neutralidade, estabilidade e funcionalidade da rede. A Lei ainda estabelece que o uso da internet tem por objetivo promover o amplo direito de acesso à rede, às informações e conhecimentos nela difundidos, a inovação e difusão tecnológicas e a adesão a padrões tecnológicos “abertos”.
O segundo capítulo estabelece que são direitos e garantias dos usuários a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, do sigilo do fluxo de informações e comunicações, a manutenção da qualidade de conexão contratada, a clareza de informações e cláusulas nos contratos de prestações de serviços e políticas de uso da web, tratando como nulas quaisquer cláusulas que ofendam esses direitos.
O capítulo seguinte trata de um dos temas mais debatidos, que é a chamada “neutralidade da rede”. Isso significa que os provedores de serviços da internet não podem cobrar preços diferentes por tipos de utilização da rede. A neutralidade não permite que o usuário seja obrigado a pagar um preço para usar redes sociais e outro para acessar e-mails, por exemplo.
O capítulo III dispõe, ainda, que a guarda dos registros de conexão, de acesso a aplicações de internet, de dados pessoais e de comunicações privadas devem respeitar a intimidade, vida privada, honra e imagem das partes envolvidas. Ou seja, os provedores não podem vasculhar, nem disponibilizar a terceiros os registros deixados pelo usuário em seu acesso à rede, salvo por ordem judicial específica. Todo aquele que descumprir tais normas se sujeita a penalidades que variam desde advertência até a proibição do direito de exercer suas atividades.
Mesmo com as garantias previstas no capítulo, o art. 15 da lei – que determina em seu caput que os provedores devem manter os registros de acesso de todos os internautas por seis meses – sofreu grande resistência de movimentos ligados à defesa dos direitos civis na internet. A opinião desses grupos é de que esse dispositivo viola o direito à privacidade e o princípio constitucional da presunção de inocência. Alheia às pressões, entretanto, a presidente Dilma Rousseff sancionou o texto sem vetos.
Do ponto de vista das decisões judiciais, talvez o tema mais conflitante seja o abordado pelo terceiro capítulo, que determinou que o provedor de internet não é responsável civilmente pelos danos causados por conteúdo gerado pelos seus usuários. A jurisprudência brasileira é bastante controversa sobre essa questão, sendo que algumas decisões entendem que o provedor também se responsabiliza pelo que o usuário manifesta, e outras expõem o entendimento de que essa responsabilidade é apenas do autor do conteúdo.
Neste aspecto, a lei tende a pacificar bastante a jurisprudência brasileira, ao estabelecer que o provedor somente será responsabilizado se, por ordem judicial, deixar de tomar providências para tornar indisponível o conteúdo ofensivo ou, em se tratando de conteúdo de caráter sexual, o próprio usuário solicitar, por meio de notificação, que ele seja indisponibilizado e o provedor não o fizer.
O capítulo quarto institui diretrizes para a atuação da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no desenvolvimento da internet. Para tanto, determina que sejam estabelecidos mecanismos de governança eletrônica transparentes e que permitam a participação da sociedade. Notam-se disposições claramente voltadas à melhoria da eficiência, celeridade e comunicação entre as várias tecnologias de diferentes esferas de governo, bem como à facilitação do acesso da sociedade aos serviços governamentais.
O último capítulo prevê que o usuário tem a liberdade de utilizar ferramentas que permitam o controle de acesso de seus filhos menores a conteúdos impróprios, desde que respeitados os princípios do Marco Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Garante, finalmente, que a defesa de direitos previstos na novel legislação seja exercida em juízo, individual ou coletivamente.
Estes são, a nosso ver, os mais relevantes temas do Marco Civil da Internet, que certamente serão objeto de muitos debates na sociedade, nos livros relacionados ao tema e, principalmente, nos tribunais. A recente Lei de fato trouxe algumas inovações, mas a sua principal contribuição será a fixação, no universo jurídico, de questões que se encontravam em leis esparsas e não relacionadas ao mundo cibernético.
Para conferir a publicação original, clique aqui.

Vídeo: Luli Radfahrer comenta o Marco Civil da Internet

Confira também o vídeo do Programa Metrópolis, da TV Cultura, com a participação do especialista em comunicação digital Luli Radfahrer e do deputado federal Jean Wyllys.